A Justiça do Trabalho no Espírito Santo reconheceu a existência de vínculo empregatício entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil Tecnologia LTDA. De acordo com decisão da juíza Anna Beatriz Matias Diniz de Castilhos Costa, da 7ª Vara do Trabalho de Vitória, ficaram comprovados os requisitos da relação de emprego na modalidade de trabalho intermitente, conforme previsão do art. 452-A da CLT.
A partir desse entendimento, a empresa foi condenada a pagar ao reclamante: aviso prévio indenizado, férias proporcionais +1/3, 13º salário proporcional, FGTS + multa de 40%.
Relação de trabalho x relação comercial
Na ação, o empregado afirma que trabalhou para a Uber entre dezembro de 2020 e outubro de 2021, na função de motorista. Ele informa que realizava jornadas de acordo com a demanda ofertada pela plataforma, em horários variáveis, recebendo uma remuneração média semanal de R$ 500,00.
O trabalhador também declara que não possuía outro emprego simultâneo, e, após ter sido dispensado e bloqueado pelo aplicativo, não teve nenhum direito trabalhista reconhecido.
A Uber alega que a relação entre o reclamante e a empresa é “unicamente comercial”. Segundo a plataforma, essa relação ocorre por meio da “prestação de serviços de intermediação digital pela Uber ao motorista autônomo''.
A empresa diz que assume o papel de fornecer o serviço de tecnologia (aplicativo para celular), o qual permite que interessados em prestar serviço de transporte busquem, recebam e atendam solicitações de potenciais usuários. Pelo uso da plataforma, o motorista paga a Uber por meio de uma taxa de serviço, de cerca de 25% do valor da viagem.
Sentença
Na decisão, a juíza Anna Beatriz concluiu que a Uber não “é mera empresa intermediadora de transportes ou empresa de tecnologia ou apenas fornecedora de tecnologia para motoristas autônomos, mas na verdade possui como atividade econômica principal o transporte de passageiros, para a qual inclusive convergem todas as demais atividades inseridas em seu contrato social”.
Para a magistrada, o aspecto mais importante que caracteriza o vínculo empregatício entre o trabalhador e a Uber é a chamada subordinação.
“Se o modus operandi da prestação de serviço contratado é determinado, ordenado, dirigido, interferido, controlado e fiscalizado pelo contratante, emerge o poder empregatício/hierárquico deste (subpoderes de direção, controle e fiscalização), bem como o estado de sujeição jurídica daquele (subordinação) e, portanto, afloram as figuras empregado x empregador.”
Contrato de trabalho intermitente
No entendimento da magistrada, a caracterização do trabalho do motorista como sendo intermitente deve-se à “alternância de períodos de prestação de serviço e de inatividade” à luz do parágrafo 3º, do artigo 443, da CLT. Nesse caso, afastaria a tese do reclamante da ação ser considerado autônomo.
“Vejam que o novel texto da reforma trabalhista esclarece que tais características mais flexíveis e fluidas e a maior liberdade concedida a pessoa do trabalhador não excluem a habitualidade e a subordinação inerente ao vínculo de emprego, apenas afrouxam tais requisitos, além de constituírem, ao revés, a essência da contratação intermitente.”
A juíza condenou a empresa a anotar a CTPS digital do trabalhador, na função de motorista, e a pagar as parcelas devidas. Cabe recurso da decisão.
Proc. nº 0001089-09.2021.5.17.0007
Nota - Uber:
"A Uber esclarece que vai recorrer da decisão proferida pela 7ª Vara do Trabalho de Vitória, que representa um entendimento isolado e contrário ao de outros processos já julgados no próprio Tribunal e no TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Em decisão de dezembro de 2021, por exemplo, a 5ª Vara do Trabalho de Vitória identificou 12 "fatos incontroversos" que atestam a inexistência do vínculo de emprego entre motoristas e a Uber, pois "são suficientes para afastar toda e qualquer subordinação, ainda que por programação ou algorítmica, uma vez que restou clara a autonomia do motorista para o desenvolvimento de suas atividades".
Além de não existir subordinação jurídica de motoristas parceiros com a Uber, também não se aplicam outros requisitos legais da modalidade de trabalho intermitente, como a definição prévia de jornada e a multa por desistência.
De acordo com a lei, nesta modalidade o empregador deve convocar o funcionário e informar a jornada de trabalho a ser cumprida com pelo menos três dias de antecedência, e pode aplicar multa em caso de descumprimento, condições que são totalmente incompatíveis com o sistema de intermediação dinâmico e flexível operado pela Uber: são os próprios motoristas parceiros que decidem quando ligar o aplicativo, sem nenhum tipo de aviso anterior, podem permanecer conectados pelo tempo que quiserem, e com total autonomia para atender, recusar ou cancelar as solicitações de viagem feitas pelos usuários do aplicativo em tempo real.
Jurisprudência
Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos requisitos legais para existência de qualquer tipo de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 2.700 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST já reconheceu, em seis julgamentos, que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os parceiros. Um dos mais recentes, em novembro de 2021, a 4ª Turma afastou o vínculo sob o entendimento de que motoristas trabalham "sem habitualidade e de forma autônoma" e que não existe "subordinação jurídica entre o aplicativo e o trabalhador". Em maio, a 5ª Turma já havia afastado a hipótese de subordinação porque era de escolha do motorista "ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse" e "se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse".
Outro julgamento de 2021, em março, decidiu que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe "autonomia ampla" do parceiro para escolher "dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber".
Esse entendimento vem sendo adotado pelo TST desde 2020, com decisões em fevereiro e em setembro. Também o STJ (Superior Tribunal de Justiça), desde 2019, vem decidindo que os motoristas "não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício" - a decisão mais recente neste sentido foi publicada em setembro de 2021."
Fonte: TRT17 |